quinta-feira, 1 de julho de 2010

lavar louça


Acabo de chegar de viagem meio chateada: os pedágios no estado de São Paulo – o estado com a maior quantidade de pedágios no país, que figuram entre os pedágios mais caros do mundo – encareceram mais um pouco. São estradas boas, é verdade; só faltava não serem. Em 243 km rodados, R$ 38,00! Ui! Mais do que gastei em combustível… Todo mundo sabe que isso tem a ver com o direito de ir e vir… Espero pelo barulho e as mobilizações, que há paulistas atilados também.

É engraçado (pra dizer, ambiguamente, o mínimo) como têm sido considerados certos direitos: li hoje cedo que um certo grupo que vive chamando de “liberdade de imprensa” o “direito”, entre outras coisas do mesmo jaez, de entrevistar quem quiser à hora que quiser, sobre o que quiser, recortando a entrevista sem ter que obter qualquer tipo de autorização do entrevistado… está querendo proibir a veiculação de um rock que fez sucesso nos anos 80/90!, porque se diz no tal do verso “mulher dona de casa, mulher pra presidente…” . Gente do céu, seria isso um machismo chauvinista mal disfarçado em desejo de lisura no pleito? Afinal, pela primeira vez na nossa história temos aí duas mulheres firmes no páreo! Mulheres falando como mulheres, oferecendo novas possibilidades a todos nós também por serem mulheres, mas não só às mulheres… Gozado.
Pois eu vinha pela estrada afora, bem sozinha, pagando pedágios, pensando sobre isso de reivindicar pra si direitos (ou privilégios?) que não valem pros outros, e achei que seria bom eu contar que, nestes tempos em que estive na casa de colegas, descobri que pouca gente sabe lavar louça. É isso mesmo. Muita gente liga a torneira, vai ensaboando tudo e enxaguando sem critério, sai pra pegar um paninho ali ou guardar algo na geladeira e deixa a torneira aberta, põe copos que serviram água no meio de panelas que fizeram feijão, joga os talheres todos no fundo da cuba da pia mesmo quando há panelas engorduradas na história… Como descobri isso? Nas três casas em que estive hospedada recentemente me disseram: “nossa, como você lava louça bem!” Vê se pode?!
O que é esse “bem”? Com o mínimo de água e detergente necessários, sem passar aperto, escalonando o tipo de louça que entra na cuba. Não sei onde aprendi isso. Nem nunca tinha me tocado desse saber, mas vá lá, chamou a atenção e foi assunto, e é por isso que comento alguma coisinha aqui. Afinal, há enchentes (como as que estamos vivendo no Nordeste do Brasil) e secas tenebrosas, que são, se não houver outro motivo, razão suficiente pra quem tem boa água tratar dela direitinho.
Estou pensando n’As cidades invisíveis de Ítalo Calvino… E estou pensando que na Bolívia (em 2000) houve até mortes na luta pela reversão de um processo que privatizou o setor, impedindo inclusive que se coletasse água da chuva em reservatórios caseiros!
Ora, quem tem acesso assim fácil, abrindo a torneira e pagando uma taxa no fim do mês, tem que levar a sério tudo o que vai dizendo por aí sobre o planeta, sobre administrar os recursos naturais, sobre produzir um crescimento sustentável… Uai! E isso tem a ver com as práticas cotidianas, todas elas, as muitas mínimas práticas que são nosso modo de consumo de tudo o que se produz, que pauta a necessidade de produzir mais…
É claro que pôr placas de captação da energia solar no telhado pra aquecer a água da casa é muito legal, e também criar mecanismos de reutilização de água do banho etc. Mas, peraí, antes dessas megarreformas e investimentos, há coisinhas bem inhas que fazem toda diferença. No nosso lavar-louça-de-todo-dia:
  • antes de mais nada, se há louças mais gordurosas e embalagens recicláveis pra lavar, elas é que vão pro fundo da cuba, e o mais fica empilhadinho do lado de fora – porque não faz sentido engordurar o que estava livre de gordura;
  • daí, ensaboam-se as coisas menos sujas, que ficaram fora da cuba, muitas delas (ou todas, dependendo da quantidade de louça envolvida), e enxagua-se essa leva de ensaboados, direcionando-se, tanto quanto possível, o jato d’água sobre a louça engordurada: essa água com sabão vai eliminando boa parte da gordura do que está na cuba;
  • por isso, é importante não deixar entupir o ralinho, porque, se a louça for muita e a água começar a acumular na cuba, fazendo piscina, vai reengordurar as coisas… então, de tempos em tempos, limpa-se o ralinho;
  • os talheres podem ser ensaboados um a um, pra garantir que trocinhos agarrados saiam, mas podem ser enxaguados em feixes, sempre sobre as louças mais godurentas, direcionando o jato d’água, sobretudo quando há queimadinhos no fundo de travessas;
  • aliás, quando “pega” no fundo de uma panela, o negócio é deixar de molho um tempo, com um fio de detergente, em vez de ficar cavucando minuciosamente com a água correndo à toa, como fazem os imprudentes que varrem folhinhas de árvore na calçada com o esguicho...;
  • e também é o caso de preferir detergentes e esponjas bons, porque não é preciso usar muito deles pra deixar tudo tinindo;
  • por fim, o lance é ensaboar as panelas e travessas mais sujas todas de uma vez, e ir enxaguando umas sobre as outras; a última vai ser super rápido limpar, por isso é bom deixar a mais encrencada pro final de tudo;
  •  e, claro, toda vez que for dar uma paradinha pra fazer outra coisa, tipo acudir uma criança na sala, atender ao telefone ou à campainha, feche a torneira: mesmo que seja só um segundinho, faz diferença; é um segundinho de água correndo, né?
  • é sempre bom verificar, também, se não há peças que precisam só de um enxágue rápido, sem sabão, como colheirinhas pra mexer café, copos usados pra medida de líquidos, mexedores e jarras de suco… Se não precisam de sabão…
  • ah, sim, e é melhor não deixar juntar louça de refeições diferentes: uma loucinha de café da manhã, por exemplo, é facinho de lavar, limpinha, rapidinha; já os almoços, jantares... Louça de um dia pro outro, então, é mais demanda – de detergente, de água, de pique, porque, falando sério, uma pia de louça acumulada dá uma tristeza, não dá? Vira uma tarefa hercúlea o que devia ser tarefinha de todo dia, simples. Pra quê? Só quando escapa, que a vida tem seus imprevistos e subversões, claro.
Como se vê, é só uma questão de organização, bem básica. Sem sofrimento algum, sem desconforto, sem piração. Só tática. Pura tática. Totalmente incorporável.
Outro dia, uma querida amiga que esteve em Cuba ano retrasado me contava como, num certo domingo entre colegas, aprendeu a lavar a louça de um almoço pra 12 pessoas com 2,5 litros de água, deixando a louça limpinha, frise-se.
E tem sempre a história da professora libanesa que se hospedou por aqui anos atrás e sofria toda vida cada vez que alguém pegava água pra encher o bojo da cafeteira elétrica e, se não coubesse tudo na máquina, jogava fora displicentemente na pia aquela sobrinha... de água limpinha... Nossa, ela ficava doente, aflitíssima. E também se espantava com as pessoas lavando carro, achava incrível como se lava carro aqui em São Paulo.
Bem, peço desculpas a quem achou tudo isto aqui óbvio. Justifico-me: também supunha que fosse, mas nestas últimas andanças me dei conta de que pra muitos não é. E olha que, destes, uns quantos chegam a perder o sono pensando em como vai ser o caos se acabar a água potável no planeta… Oh, Céus!

2 comentários:

  1. Inspiradíssimo o Post. Falando de tudo junto e, sim, tudo que tinha que ser dito ao mundão, não é não?
    Sobre o lavar louças eu que sou fã da atividade, já sabia, mas sei que muita gente não sabe não.
    Achei que esse post também se parece com aqueles escritos da Clarice a que me referi no meu blog essa semana, eles têm essa mesma pegada de dizer o banal com amor e propriedade. Afinal, só se está querendo ajudar... ;-D
    Que fofa a libanesa não?

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  2. Oi Lu, que delicia seu blog, maravilhoso... amei.
    Justo eu que agora sou dona de casa rsrsrs,
    e por falar nisso ando até me arriscando BEM na cozinha, ainda bem que aprendi muita coisa com a vovó rsrs.
    E vc, como está de resto? Saudade enorme.
    Jessika.

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