sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O que será que será?


E, de repente, o que era rotina (santa!) desdobra-se numa aventura sem par, e somos lançados no novo do novo de nós. 

Eis-me aí. Dá-se o caso de haver chamados que têm me levado a outras redes, e já não estou dando conta de partilhar aqui a cozinha de todo dia. Que seja. A vida é feita do que queremos e do que não queremos, como se diz… Fica este blog em latência.

Quando volta a haver postagem? Deus saberá. Há momentos em que temos de nos abrir pro improviso, dar-nos ao mar aberto. Muitas vezes temendo, claro, mas penso que esse temor é menor do que a confiança no fato de que a vida é boa quando desdobrada em oportunidades.

Mesmo na vertigem, prefiro que o novo venha e revire o que revirar: haverá coisa mais revigorante do que a vida se refazendo, do que paradigmas ruindo porque não dialogam com o que se anuncia?

Taí, se tem uma coisa que não muda, acho que é esta: a transmutação é o que faz da vida Vida. Assim, maiúscula.

Então, vamos de vertigem pra fechar: uma passagem de Leminski, o grande.

Que faz isso aqui? Isso serve para ser observado. Só para ser visto, só se passa isso. Aqui dá muito disso. Aqui é a zona disso. Agora se alguém desconfiar, ninguém duvide. Isso muda muito.
 
Paulo Leminski, Catatau – um romance-idéia.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Coisas de Yára II


Ontem, quando tocou a campainha, ai, que bom!, era de novo Yára quem batia à porta, chegava pra tomar um chá neste friozinho que tem feito por aqui. Tinha até neblina baixa no fim da tarde, deixando a nossa pracinha com cara de vila europeia... segundo nossas fantasias sobre uma vila europeia, claro... Vamos entrando, Yára querida, que o fogo já está aceso, os biscoitinhos na travessa...


Como é que um livro te pega?

Porque tem isso. Às vezes eu entro na livraria com título, nome do autor, tudo escolhido e pensado. Mas tem vezes que só estou passeando, xeretando as novidades e de repente um livro me pega, parece que me dá uma piscadinha e pronto. Sei lá como ele está empoleirado a caminho de casa! Repare que esses a gente lê rapidinho, às vezes termina no ônibus ou no café, antes mesmo de chegar em casa.

Um livro me pega pela capa, por uma diagramação diferente, por uma orelha bem escrita, e muitas vezes me pega pelo título, que foi o caso desse aqui: Os comes e bebes nos velórios das Gerais. Vem cá, com um título desse você também não fuçaria no livro?

É um livro com 18 histórias acontecidas e 21 receitas para fazer em casa. As histórias são causos engraçados, acontecidos no interior de Minas Gerias, muitas vezes em velórios, que foram recontados por Dona Déa.

Tem a história da avó que morreu fora de hora e deixou a nora preocupada, porque o marido não tinha comprado um túmulo, e ia ser o maior falatório na cidade enterrar a avó em uma cova rasa. No fim dá-se um jeito, e o enterro é um sucesso: túmulo imponente, comes e bebes dos melhores! O que ninguém na cidade ficou sabendo é que o túmulo era emprestado.

Tem também as peripécias de Sinhá Guilhermina depois de morta. A mulher era detestada no vilarejo e teve um enterro dos mais atribulados, com direito a sustos nos compadres que estavam no velório e até nos coveiros.

Além de escrever os causos, Dona Déa foi buscar as receitas mineiras tradicionais, daquelas que são passadas de mãe para filha. Ela conta que várias vezes fez a receita junto com a cozinheira, que era para transformar as medidas de costume em medidas de xícara e colher.

O projeto gráfico do livro é lindo. As receitas estão impressas em branco sobre páginas coloridas. Junto de cada título tem a foto de um objeto antigo, desses de casa de fazenda.

Se você achou a receita dificil, vai lá, pede ajuda para a sua avó, para aquela tia que só vê no Natal, ou até para a vizinha mais experiente. Aproveita e puxa uma prosa que é bem capaz de você conhecer mais alguns causos divertidos.

Os comes e bebes das Gerais e outras histórias, por Déa Rodrigues da Cunha Rocha. Editora Auana, 2008. As fotos são de Fifi Tong.

Tô saindo para um congresso, então o dia de hoje foi uma corrida: deixar a filha na casa da avó; terminar as medidas da sala, que vai ganhar uma iluminação nova, e mandar para a arquiteta; fazer a mala; levar o que sobrou na geladeira para a minha mãe, já que a minha casa vai ficar fechada uma semana... Daí que o jantar foi um caldo de abóbora, que eu fiz ontem, com uma massa recheada com mussarela, que cai muito bem com esse frio.

Misturei dois tipos de abóbora, a mais alaranjada, de pescoço, de casca lisinha e rajada, conhecida como abóbora seca rajada, e a abóbora cabotiã ou japonesa, de casca verde escura e rugosa. Num fio de azeite refoguei um alho poró generoso com um tiquinho de cebola. Juntei as abóboras picadas, água quente, sal e caldo de legume em pó. Se ainda tivesse caldo de legume congelado, eu teria substitutido a água e o caldo em pó por ele, mas com o frio desta semana, não sobrou caldo caseiro, tudo foi para as sopinhas de jantar.

Depois de cozido, bati tudo deixando um caldo não muito grosso. Hoje separei uma porção para mim, pus uns 4 raviólis grandes, recheados de mussarela para cozinhar junto e pronto. O que sobrou do caldo vai para o congelador. Quando eu voltar do congresso, é só descongelar o caldo e pôr de novo massa para cozinhar. E aí a sopa fica com cara de recém-feita.

Ih! Vi que não tem medida nenhuma na sopa. Abóbora: uns 400 g de cada tipo; um alho poró grande. Pus mais ou menos um litro de água.

Ciao Luciana, nos vemos na volta, e tá combinado o café com as amigas da dança.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Coisas de Yára


Duas coisas muito bacanas estão acontecendo hoje: 1. um encontro - uma amiga querida, que há mais de ano eu não via, vem visitar esta cozinha, com a promessa de voltar muitas vezes; 2. vamos experimentar novidades, que ela cozinha como ninguém e conhece um monte de livros - de receitas, sobre comida, sobre cozinha... sobre essa transmutação nossa de cada dia. Bem-vinda, Yára! Vamos chegando, que a água está no fogo e já-já sai o café.


Papel manteiga para embrulhar segredos: cartas culinárias

Eu sou Yára, e cozinhar é uma das coisas que faço de vez em quando porque me dá prazer. Ler e ir ao cinema... também adoro fazer. Conhece “traça de livro” e “rato de cinema”? Então você me conhece um pouco.

Papel manteiga para embrulhar segredos, de Cristiane Lisboa, foi lançado na primavera de 2006 pela editora Memória Visual. O livro, em um formato menor que o tradicional e naquele papel encorpado e cor de creme, é um convite à leitura e a sair correndo para a cozinha.

Melhor me explicar. O livro conta a estória de Antônia, uma jovem que foge de casa para estudar gastronomia, ou melhor, comida, com a Senhorita Virgínia, e na impossibilidade de usar receitas, palavra que a Senhorita nem sequer pronuncia, resolve escrever o que aprende junto com as cartas para a Bisavó Ana.

Nas cartas, Antônia vai fornecendo vislumbres da sua vida como pupila, da sua personalidade, das contradições entre os seus desejos e os de sua mãe e, claro, do seu primeiro amor. 

Junto com as cartas, estão as receitas, 65 delas assinadas por Tatiana Damberg, que tem um blog e lançou A panela amarela de Alice em 2009. As receitas fazem parte das cartas, e ao lê-las temos vontade de levantar da poltrona e ir para a cozinha, recriar os aromas que são sugeridos.

Este livro é um ótimo exemplar de uma vertente da literatura em que as receitas deixam de ser apenas receitas, e evocam lembranças do passado e de terras distantes através dos aromas, sabores e texturas.
Boa leitura e boa cozinha.

Se você achou a capa do livro convidativa e resolver tomar um chá enquanto saboreia o livro, sugiro que faça um muffin salgado. 

Esta receita, muffins de tomates secos ao sol e azeitonas, é de um livrinho chamado Muffins, de Helena Siegel e Karen Gillinghamm, que foi traduzido por Lorraine Muir, de 1997. Este livro faz parte de uma coleção da editora Saraiva e está esgotado, então, se você conseguir encontrar um exemplar em algum sebo ou livraria, compre, porque vale cada centavo!

A receita é a seguinte:

2 xícaras de chá de farinha de trigo (eu uso 1 branca e 1 integral)
1 colher de sopa de fermento em pó
½ colher de chá de sal
1 ovo
3 colheres de sopa de óleo escoado dos tomates (uso 2 porque sempre fica óleo nos tomates secos)
2 colheres de sopa de açúcar
1 xícara de chá de leite
¼ de xícara de chá de tomates secos conservado em óleo e escorrido
½ xícara de chá de azeitonas pretas picadas (desta vez eu misturei preta e verde e ficou muito bom)

Preaqueça o forno à temperatura de 190oC. Unte forminhas ou forre-as com forminhas de papel. Eu ligo o forno depois de organizar as forminhas, misturar os ingredientes secos e quando estou pronta para começar a juntar os ingrediente úmidos. Mas cada forno é cada forno, e você sabe quando deve ligar o seu. Eu, confesso, sou meio lenta na cozinha, então, acender o forno pouco antes de juntar os ingrediente dá tempo.

Em uma tigela, misture a farinha, o fermento e o sal, os chamados ingredientes secos. Em outra tigela, bata ligeiramente o ovo (como se fosse para uma omelete). Mexendo, acrescente o óleo dos tomates, o açúcar e o leite. Acrecente de uma vez os ingredientes secos. Mexa até a farinha desaparecer. Nada de bater, porque o fermento já está aí, e se bater muito não cresce. Mexendo, acrescente os tomates picados e as azeitonas. 

Divida a massa em forminhas. Asse por 25 minutos ou até que o palito saia limpo. Assou, tire logo do forno, porque, se ficar mais tempo, vai grudar na forminha de papel.

Bom, muffin não é bolo nem cupcake. É mais rústico, prático e muito saboroso. Muffin não exige grandes bateções de ovos e manteiga e ir pondo tudo aos pouquinhos. A regra é misturar os ingredientes secos e acrecentá-los depois aos úmidos (açúcar, ovo, leite ou suco, baunilha) e, por fim, acrescentar as frutinhas ou ervas ou tomates, enfim: o sabor especial do muffin. Ah, sim! Sua massa ficou parecendo mousse...? então você acertou no ponto, porque a massa de muffin é molhadinha, aerada, sei lá, diferente de massa de bolo. 

E se você não tem forma de muffin, faça como eu: use as velhas forminhas de empada forradas de forminha de papel e vá em frente!



***

...ó eu me metendo no fim deste post: na estante virtual a gente acha livros do arco da velha!

terça-feira, 3 de agosto de 2010

arroz com beterraba e ervilhas no vapor


Ontem abri a geladeira já quase na hora do almoço e descobri só duas beterrabinhas na gaveta, mais um saquinho de ervilhas frescas, precisadas de cozimento, já no fio do frescor. 
Fora isso, de especial mesmo só uma mussarela caseira simplesmente divina que trouxe da chácara em que estive tempos atrás.

Tinha um finzinho de alho poró…

E passou lá na rua o moço que vende mandioca de quintal, empurrando seu carrinho de mão, assobiando uma musiquinha que é sempre sempre a mesma...

Acho tão bonito esse tipo de gesto que se repete com simplicidade, a cada dia, num renovar-se que quase passa despercebido. E é só experimentar sua ausência pra perceber que de desimportante não tinha nada! 
Pois bem, comprei uma mandioca, que descasquei e pus pra cozer num panelão semi-tampado com uns dois dedos de água no fundo. Só pra lembrar: a mandioca, como outras raízes, é bom cozer desde a água fria, devagar.

Daí o arroz: uma cebola em metades fritava um tiquinho no óleo de canola enquanto eu cortava em cubos bem miúdos as beterrabas; refoguei os cubinhos um pouco, depois uma xícara e meia de arroz parboilizado, pus três xícaras de água, um bom filete de alho poró... o sal, como se sabe, só mais pro final do cozimento, pra gente não perder nada do precioso iodo.

Em cima do arroz, quando a água já borbulhava, encaixei a cestinha de cozimento a vapor com as ervilhas frescas. A minha, agora, é aquela clássica de bambu. Ganhei dos amigos que foram morar no Canadá. Sempre quis uma dessas. Antes, usava uma de silicone, aberta, mas nesta aqui os legumes parecem tão mais “em casa”.

Em 15 minutos as ervilhas estavam tenras por dentro com a casquinha densa. Salguei o arroz, semi-tampei, e, numa tigela à parte, onde o resto do alho poró estava picado em tiras bem bem bem pequeninas, joguei as ervilhas quentes – assim elas cozem de leve o alho poró, liberando seu aroma.

Quando esfriaram, acrescentei um bom fio de azeite extra-virgem, mexi um pouco, e acrescentei a tal da mussarela ralada. Por isso não precisou de sal. Ficou uma saladinha supimpa.

O arroz cor-de-rosa estava pronto a esta altura, lindo! E a mandioca, em pedaços, compôs o prato colorido dessa refeição insuspeitada. Ficou uma coisa super alegre!

Mas a mandioca (que é parente da famosa mandioca frita, mas quase não leva óleo) eu conto outro dia. Pra já, ofereço um videozinho gostoso demais de ver, sobre armazéns, comidas, pessoas, simplicidade... Uma historinha real daquelas que dão uma esperança boa na gente... Coisas da alegria mesmo. Como costuma ser com a querida amiga mineira que me mandou o link.