Ai, quanto tempo longe da cozinha! Fico desnorteada, sabia?, de tanto que incorporei esse fazer cotidiano, essa criação nossa de cada dia... E eu até que comi bem estes dias, não é disso que falo, mas da falta que faz estar ali na bancada inventando moda.
Estive trabalhando em Maringá, uma cidade linda! E de lá emendei pé a visitar uma amiga em cuja cozinha fizemos o que conto hoje: paçoca de castanha-do-pará.
Muita gente não pode com muito amendoim, e tem gente que deve, por indicação nutricional, comer castanha-do-pará, e foi daí que nasceu essa paçoca simplemente deliciosa. Devo dizer que a primeira vez que comi estranhei, porque esperava aquele gostinho clássico de paçoca, mas aí minha amiga disse: “lembra rapadura, só que tem uma nota de sofisticação que leva pra outro caminho”, e então, com meu repertório podendo reconhecer, em certa medida, o que degustava, peguei a trilha, fui apreciando e acabou que adorei. Quis fazer junto com ela pra trazer, mas chegaram visitas e não sobrou nada nada! Só que é uma receita facílima, logo reproduzi por aqui. E vou dizer uma coisa: em dias frios, puxa!, aquece a gente.
Então, na sintonia destes tempos de comidinhas de São João, lá vai.
Ingredientes básicos (dá pra fazer altas experiências sobre esta base)
2 xícaras de açúcar mascavo (diz que com demerara dá certo também)
½ xícara de amendoim descascado e torrado (sem sal ou óleo)
1 e ½ xícara de castanha-do-pará crua
½ xícara de farinha de mandioca torrada (com farinha de rosca diz que também fica bom)
½ xícara de água (ou leite, pra quem quiser uma paçoca mais cremosinha)
4 colheres de sopa de mel (puro; se for daqueles preparados de supermercado, fica doce demais)
2 colheirinhas de café de sal marinho
Pra fazer
Derreta, numa panela de fundo grosso e em fogo baixo, o açúcar, acrescentando aos poucos a água (ou o leite, e parece que se for desnatado fica ótimo). Enquanto isso, no liquidificador ou no processador, triture amendoins e castanhas, acrescente a farinha e o sal, misture bem.
É possível pilar tudo isso. Eu não tenho um pilão grande, o que é uma pena... Com uma música ritmada, socar pilão é um ritual divino – e realmente se sente isso na comida, depois. Mas, mesmo usando um processador, dá pra deixar de fora alguns amendoins e castanhas que são picados à mão, em pedaços maiorzinhos, que serão encontrados em cada mordida com aquele prazer do achado, sabe?
Daí, numa forma bem rasa, que aguenta o calor do açúcar derretido e pode ir à geladeira sem sustos, verta a farofinha, a calda e os pedaços maiores de amendoim e castanha, misturando tudo com uma espátula até a mistura parecer homogênea. Duas horas de geladeira e pronto: é cortar em quadradinhos e pôr na roda (e não precisa mais voltar pra geladeira, não).
Com café ou chá de cidreira fica muito bom. Também como merenda pras crianças e, se você tiver um bom melaço de romã e umas folhinhas de hortelã, dá uma sobremesa chiquérrima. É só montar o prato: dois quadradinhos de paçoca e um raminho de hortelã sobre eles, que serão regados com um bom fio do melaço.
Se tiver uma cachaça curada, é bem a hora de oferecê-la aos convivas.
Se tiver uma cachaça curada, é bem a hora de oferecê-la aos convivas.
***
Ia terminar aqui, mas houve um telefonema em que me disseram: “a paçoca é o estereótipo da festa junina, né?”, daí resolvi dizer mais umas coisinhas, sobre estereótipos. Vi no aeroporto, estes dias, um best seller que dizem pegar carona noutro best seller, supostamente uma versão masculinha, intitulada Comer, jogar, foder, da versão feminina Comer, beber, rezar (há variantes, entre elas Comer, beber, amar)... Li e ouvi, enquanto tomava o inescapável chá de espera das viagens aéreas, comentários acalorados sobre o “oportunismo” ou a “agressividade” do autor (e, claro, de cada um de seus leitores) ao “estereotipar” o “original” de uma autora “séria” e “profunda” (que tem lá suas leitoras, sérias e profundas, claro).
Bem, fico pensando se os best sellers são sempre estereótipos – será? E, se são, quando são (porque acredito que possam não ser...), por que vende tanto essa estereotipia? Será que, no caso comentado, o tal autor apenas pegava carona na obra da tal autora, ou estabelecia com ela uma conversa, explorando a perspectiva de um homem a fazer uma grande viagem de libertação, como fizera uma mulher no primeiro livro? Será que os tais comentários supõem mesmo que homens não rezam e mulheres não jogam (rs)? E será mesmo que assumir diferenças entre modos masculinos e femininos (e não necessariamente modos “de homem” e "de mulher”) de viver certas experiências implica sempre estereotiparmo-nos?
A paçoca de castanha-do-pará não quer ser melhor do que a clássica paçoca de amendoim; é outra, é uma alteridade: só faz firmarem-se as singularidades e as identidades e, assim, permitir trocas, variações, fusões... com sorte, transmutação!
Ó só:
- fica uma delícia macerar essa paçoca no creme de abacate!
- fica gostosíssimo cortar maçãs em gomos longitudinais e esfarelar essa paçoca por cima!
- fica bom demais cortar em pedacinhos miúdos bananas, gomos de laranja (sem pele) e paçocas!
Oi Luciana, tudo bem? Tem um blog de culinária que eu acompanho e que eu acho que poderia lhe interessar: http://technicolorkitchen.blogspot.com/
ResponderExcluirO charme dele são as comidinhas diferentes. Não tem o charme da prosa e a questão do saudável passa longe! Mas... beijos de sua leitora fiel, Luciana.
Ah, os estereótipos!
ResponderExcluirTodo mundo sofre um bocado por conta deles, em torno deles, e até... sem eles (há quem possa sofrer por não participar de nenhum deles, por supuesto!)
De verdade, eu prefiro mesmo é essa variedade de paçocas. Que delícia! ;-D