segunda-feira, 7 de junho de 2010

ovos pochê e talos


Gente do céu! Acabo de descobrir como eu estava curiosa por saber um pouco sobre meus novos vizinhos. A casa ao lado esteve vazia por muitos meses e acaba de receber crianças, cães e uma mãe conversadeira e expansiva. Não conversei com ela ainda, mas os quintais, como todos sabem, são esse território da partilha tácita, sobretudo nas grandes cidades, em que tudo se amontoa. E é perigosíssimo quebrar o que se silencia a respeito, pois implicaria uma intimidade que não temos, pelo menos a princípio, com vizinhos de muro; mas é impossível dizer que não se sabe de nada: sabemos muito uns dos outros pelo que se diz nos quintais e muitas vezes também nos banheiros, cujas janelinhas, quase sempre muito tênues, dão-se a um “lá fora” que é quase sempre bem perto da casa do outro… 

Enfim, como acabam de chegar, tudo está por ser arrumado, pode-se imaginar que em poucos dias já sabemos um bocado de coisa sobre eles, gritadas uns pros outros, ora numa delícia de casa nova, ora num nervosismo de ver tanta coisa por fazer... Os cães latindo pra tudo o que se move, meio sem lugar e sem rotina... Uma família, enfim, instalando-se. 

Inevitável me perguntar o que será que já sabem de nós… Mas eis a regra de ouro: jamais falaremos sobre isso, pra seguirmos bons vizinhos, solidários e não invasivos. É o que desejo: que estejamos em harmonia, que os gatinhos daqui e os das outras casas, que passeiam muito por estas bandas, logo percebam que há dois cães bem jovens e cheios de energia onde antes eles vinham tomar o sol da manhã.

Mas eu contava era que me percebi atraída pra cozinha mais cedo hoje. Minha cozinha dá porta pro quintal deles, onde muitos tapetes estão sendo lavados e há uma conversa boa entre duas mulheres… Candinha, eu? Acho que não, não tenho a quem contar o que ouço e nem quero sair contando nada, apenas sinto essa necessidade enorme de me aproximar e receber – acho tão importante estar de bem de quem mora na parede ao lado!

Bom, vai daí que fiz um almocinho cedo toda vida! De roça. Estava pronto às 11h30, pode? E deu tempo de vir aqui postar uma das coisinhas práticas que fiz; é uma receitinha bacana pra aproveitar talos. Eu tinha talos de brócolis e de couve-flor, e um monte de cenouras, que são ótimas pra dar um sabor mais forte aos talos. É assim:

Se tiver, use um processador (confissão: minha mãe me deu um como complemento do liquidificador e eu, na hora, fiz um muxoxo, achei exagero, uma desfeita, no fim das contas. Já pedi desculpas pra ela e contei as maravilhas de que um processador nos torna capaz). Em todo caso, dá pra ir no liquidificador, no ralador manual ou mesmo na velha e boa faquinha – só demora mais, mas, se houver tempo e uma boa música, vai que vai!

Triture, moa ou pique em pedaços bem miúdos os talos. Também dá pra fazer isso com chuchu (mais uma ideia pro tal do festival!) e as cenouras, mas ainda sem misturá-los. As quantidades dependem do que se tem à mão e do que se quer como sabor final, é experimentar e divertir-se com isso.

Eu tinha dois talos de brócolis, poderosos mesmo, que vieram na cesta da semana passada. Resolvi deixar o talo de couve-flor pra outra ocasião. 

Atenção: não use as folhas nesta receita, soltam muita água e alteram demais o tempo de cozimento dos vários ingredientes. Outra coisa: essa receita é boa com talos mais durinhos, mas tudo é uma questão de controlar os tempos de cozimento, ou seja, as texturas que vão sendo obtidas no processo.

Forre o fundo de uma frigideira com bastante alho socado ou picadinho e um bom fio de óleo. Eu tinha umas folhas de alho poró, que cortei em tirinhas finas e pus junto. Deixe dar uma escurecidinha nos alhos e, então, jogue sobre esse forro os talos processados, recobrindo tudo. Tampe a panela – em fogo bem baixo – pros talos se aromatizarem bem. Deixei os meus por uns quase dois minutos, enquanto ia triturando as cenouras, que foram sendo acrescentadas depois, com gestos suaves de mistura, aos poucos, pro sabor do tempero ir impregnando cada fragmentozinho de legume.

Aí, então, você pode acrescentar um pouco de água, uns dois dedos pra quantidade que fiz, e tampar, deixando sempre algum escapezinho pro vapor (se não, os legumes escurecem muito e perdem parte de sua beleza). Se gostar, ponha nesse momento uma pimentinha. Eu moí na hora um pouco de pimenta branca.

Em quinze minutos já tinha obtido uma textura de cozido “al dente”, momento ótimo para acrescentar um pouco de sal, mexer bem a mistura, e acrescentar depois um tanto de queijo ralado por cima. 

Importante: a quantidade de sal tem de levar em conta o tipo de queijo que se vai usar pra liga. Eu pus pouquíssimo sal porque usei queijo meia cura, que já é bem salgadinho. Usei uns 30 gramas de queijo meia cura.

Deixe o queijo dar aquela primeira derretida e aí misture tudo, suavemente, provocando a formação de uma certa pasta de queijo e legumes; daí, com um garfo, ajeite essa “pasta” de modo que fique uniformemente distribuída. 

Tampe a frigideira – que deve ter o tamanho adequado pra todas essas operações e pra quantidade de ovos (de galinhas felizes, claro!) que você vai cozer – e agora, momento crucial, de muita gentileza e ligeireza: quebre os ovos, um a um, depositando-os sobre os legumes e tampe. O momento é crucial porque você não pode demorar muito a pôr todos os ovos; se não, ficam com tempo de cozimento muito distintos, ou seja, essa sincronia é a chave do sucesso. Então é bom preparar o espaço em que a quebra dos ovos vai acontecer, pra não perder nenhum, estourando afoitamente uma gema, por exemplo. De mais a mais, essa preciosidade tem de ser tratada assim mesmo, com toda essa gentileza e agradecimento, não é? (a superprodução desenfreada dos ditos ovos de granja acabou roubando da gente esse respeito pelas galinhas, o que é também uma grande falta de respeito com a gente mesmo, diga-se). 

Quando os ovos estiverem todos devidamente esparramados sobre os legumes, salpique um pouco de sal sobre gemas e claras – pouquinho mesmo.

Aqui na cozinha, em dez minutos as gemas já estavam bem durinhas e toda a água tinha evaporado.


Nesses dez minutos, aproveitando o processador que estava por ali, dando mole, fiz uma salada de rabanete e alho poró triturados, que misturei com vários tipos de folhas rasgadas à mão e reguei com um molho de iogurte e mostarda. Isso tudo com um arroz integral e um belo feijão do Rixá, nossa! Lar doce lar, não é não?


Que seja esse, então, um almoço de celebração do espírito com que recebo meus novos vizinhos. Bem-vindos sejam a seu novo lar!

3 comentários:

  1. É tão simples ser uma pessoa chique!
    Ao menos é o que você faz parecer.rsrsrs
    Amei os ovos, os legumes e esse contentamento antecipado com quem se aproxima, deve ajudar e muito a manter vibrações bacanas in the neighbourhood ;-)

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  2. É, deixou-me com vontade de avizinhar, aprender mais de perto o sagrado do cozinhar, e claro!, delícias simples como essas saborear...

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  3. Partilho abaixo uma historinha que me chegou. Para fazer rir e pensar...


    “Sobre comidas e pessoas”


    Caro Julio,

    depois da noite de ontém, uma frase sua ficou ecoando na minha cabeça. Mais uma vez, suas palavras caíram-me mal... Bem, ao menos, sendo como sou, aproveitei a ocasião para refletir sobre o porquê de tal indigestão.


    Então achei ser o caso de partilhar o que pensei, devolvendo algo que, de algum modo, te pertence, já que foi você quem produziu. Junto, segue a esperança de que, ao tomar ciência disso, você possa aprimorar um pouco mais a arte de bem dizer, sobretudo para as mulheres, seres em geral de apurada sensibilidade.

    O que tenho a dizer parte de dois lugares distintos e simultâneos: um particular e outro coletivo, de gênero.

    Comecemos pelo segundo: como mulher, não posso deixar de pontuar que achei o "ó" sua metáfora machista de comparar sua atual namoradinha e eu com comidas. Melhor deixar esse tipo de “piada” para conversas entre homens (que sejam também machistas) ou, no máximo, com mulheres que não tenham qualquer envolvimento em sua biografia de relacionamentos afetivos.

    Não sei o que ela acharia de ser comparada a um prato de "arroz com feijão"... Suponho que não gostasse. De minha parte, detestei ser comparada à uma "comida mexicana", por mais bem temperada e exótica que seja. E o pior é que naquela hora, você provavelmente achou que estava tecendo um elogio a mim. Mas o efeito foi o contrário...

    Para além do repúdio à idéia de você nos colocar, eu e ela, na condição de mulheres-coisas a serem consumidas, saciando - ou não - o seu apetite de macho comedor, devo dizer que, se eu fosse levar à sério sua metáfora, diria que prefiro, sinceramente, ser um bom prato de arroz com feijão!

    E aqui entramos na dimensão mais pessoal do assunto: que homem (que não os mexicanos) agüentaria comer comida mexicana todos os dias?! Por outro lado, meu caro, a maioria dos brasileiros - inclusive alguns dos homens que mais julgo interessantes no momento - preferem estar emparceirados com "mulheres arroz feijão"... Até porque, vejamos: é uma digestão fácil, garantida, nutritiva e faz a vida bem funcionar. Já a comida mexicana, apimentada que é, vixe como desce difícil...

    Pois bem: sei que tenho lá meus (des)temperos, e não são apenas intelectuais (perdeste a depilação e a langerie especial selecionada para a "prometida" noite de ontém...), mas enfim, ficar nesse lugar da amante inteligente, instigante e deliciosa, que se encontra de vez em quando e "apimenta" a vida de um homem compromissado com uma mulher "arroz feijão", definitivamente, não me apetece! Rs... desta vez, quem (não) tem apetite sou eu!

    Ainda usando sua infeliz metáfora, Julio, acho que teria mais a minha cara ser um delicioso e caseiro arroz com feijão de dia, e uma saborosa comida apimentada à noite, para uma pessoa que também me nutrisse com sabores, texturas e idéias das mais diversas: sem clandestinidade, telefonema de outra interrompendo, ou hora para encerrar a refeição: isso sim me parece uma boa pedida!

    Espero que possa me compreender e não pisar na guaca mole de novo...

    Um beijo, azedo,

    Maia

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