domingo, 24 de janeiro de 2010

beterraba e amigos


Poucas coisas são tão confortantes quanto ficar conversando com amigos madrugada adentro, comprido, desabridamente, sem assuntos a evitar, sem contornos a fazer – aliás, ao contrário, só encontro e comunhão, inclusive das inquietações, pra também podermos rir largo de certas dores, amparados por essa força suprema que é a fraternidade. Haverá força maior do que a fraternidade? Acho que ela é a mais indiscutível das condições que fazem do humano um ser vivente (e não apenas sobrevivente).

Poucas coisas são assim boas, como amigos entregues ao deleite comum.

Nessa sexta-feira, tivemos a boa sorte de um encontro de muitos amigos, alguns chegavam de viagem ou da luta, todos queriam só estar juntos, só por estar. Pois estivemos. Éramos oito. Uma amiga das Alagoas trouxe uma seleta de cervejas descoladas à beça (alemãs, holandesas, brasileiras...), um casal caríssimo trouxe do Peru uma garrafa de pisco e fizemos na hora um pisco sour (delicioso!), outro casal querido, que há muito não via, trouxe um cheese cake com verdadeiras amoras, e o mais foi feito aqui na cozinha.



Sobre o pisco sour, quem nunca provou disso, vá com cuidado, mas vá! O pisco, uma suave (e sorrateira) aguardente de uva (parece que disputada como bebida nacional por peruanos e chilenos, segundo se conta), é misturado a suco de limão, clara de ovo (guarde a gema pra outra aventura, ela aguenta uns dois dias na geladeira), açúcar e gelo moído – aqui, batemos tudo no liquidificador, numa velocidade branda. A espuma, farta, fica uma delicadeza. Mas há outros modos de fazer: veja um típico. 

O menu da noite incluiu uns belisquinhos variados (pra servirem de entrada e de ciscadinha depois, quando a noite se desdobrasse em madrugada) e um creme de beterraba que aprendi com minha dileta amiga grega. É uma  ótima pedida quando há muitos convivas: rende, é saboroso, é saciante, é lúdico (porque cada um faz a montagem final do prato, misturando outros ingredientes ao creme-base), é fácil de fazer.

Não sei se isso que aprendi é um borscht propriamente. Se não for, é parente próximo – isso costuma acontecer com essas receitas que ganham mundo por tratarem com simplicidade um certo ingrediente, em geral algo abundante numa dada região, depois noutra, e noutra... de onde os viajantes levam a receita; e aí acontecem as variações locais, novas misturas, novas temperaturas...

O creme de beterraba da nossa sexta-feira cheia de amigos foi feito assim:

ingredientes: cerca de dois quilos de beterraba, mais ou menos do mesmo tamanho (para facilitar um cozimento uniforme), 4 tomates (sem semente e mais pra maduros), 3 cebolas médias, uns 4 dentes de alho (refogados na frigideira antes de acrescentados à receita), um bom galho de salsinha, um tufo de cebolinha picada, um naco do corpo do alho poró, meia colher de sobremesa de sal, uma suave raladinha de noz-moscada, um cheiro de pimenta do reino.

modo de fazer: se as beterrabas, lavadíssimas, puderem ir com alguma casca, ótimo; junte tudo na panela de pressão (eu tive que fazer em duas etapas), cozinhe por uns 15 a 20 minutos só com meio copo americano de água no fundo (demora um pouco pro vapor começar a apitar, mas não vale pôr muita água, se não se perde em consistência). Abra a panela, deixe esfriar um pouco (e, assim, dar uma curtidinha), e então bata no liquidificador bem velozmente. A ideia é obter um creme para comer em prato fundo, mas ainda bem denso, não se trata de sopa.


Daí, é deixar esfriar, servir com concha e acompanhado de coisas gostosas picadinhas. Por aqui foram:

-       os clássicos agrião e rúcula (tiram-se os cabinhos, pra ficar mais gostoso de mergulhar no creme; essas folhas são azedinhas e fazem um contraste ótimo com o ligeiro adocicado da beterraba);
-       creme de leite e/ou iogurte (prefiro iogurte, que misturo com um pouco de mostarda);
-       alho poró (picado em rodelas bem fininhas, quase desmanchando);
-       cebolinha (picada em rodelas bem fininhas, quase desmanchando também);
-       umas folhinhas de manjericão fresco;
-       flocos de milho;
-       queijo de cabra ralado (ou um belo queijo outro, sempre dos mais claros).

Finalmente, cada um monta seu prato, misturando o que quiser, o quanto quiser. Ou comendo o creme puro, ou só com iogurte... É tudo de bom. Tudo.
E fica aquele trancetê na cozinha, as pessoas com seus pratos na mão, todo mundo escolhendo o que vai pôr no creme, comentários sobre os ingredientes, as pessoas se lembram de outros pratos e trocam receitas... ficam falando de comida ao comer. E, como é leve essa iguaria, todo mundo come bem, vai repetindo aos pouquinhos, refazendo combinações... é uma onda.




No dia seguinte, fica mais gostoso ainda. Então, se der pra fazer na véspera, vale a pena!
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário