Ai, ai, hoje era pra ser um dia mais rotineiro, naquele sentido bom da rotina, que organiza dentro e fora da gente, sabe? Mas os janeiros têm disto quando não se está de férias, nunca são exatamente regrados, balanceados. Ficou com cara de reclamação, percebo. Mas não é. É só saudade de estar mais no passo acertado, ou de férias de vez, claro. Eu bem que topava.
Digo tudo isso porque estive às voltas com uma tradução esta manhã, e tradução é assim, quando a gente agarra nela, pega o fio, começa a achar no dizer do outro esse outro modo de dizê-lo, aí fica ruim parar. Traduzir, de certo modo, limita com cozinhar: há técnicas, há diretrizes, há objetivos, há praxes, há conhecimentos acumulados, mas há também uma outra ordem de coisas, mais fluidas, mais sacação, cheiro quase, ou paladar – traduzir tem uns gestos parecidos com temperar, mexer e experimentar na beira da colher de pau, voltar à panela, acertar o sal...
Possivelmente todas as práticas linguageiras têm disso. E aí estou chutando alto: estou pensando no cozinhar como um dizer, como expressão do ser, como meio de comunicação, como ocupação de um espaço no mundo, delimitação de um lugar – que é histórico, claro, tem caras e bocas de um dado tempo, de uma dada comunidade...
Assim é que há gestos na cozinha que estão para as conversas do tipo “bom dia, oi, como vai”, outros estão pra filosofias fundas, que muito demandam e muito dão – como os figos de ontem, heim?
O caso é que não parei a tradução no calor dos achados e aí comi biscuits de farinha integral (comprados prontos) mergulhados no tahine (comprado pronto), a que acrescentei um copo de iogurte, pra ficar menos forte. Iogurte e um fio de azeite, pra ficar mais fresco.
Então estou alimentada, mas ficou faltando aquela "boa conversinha de portão", que estou disposta a tocar hoje à noite: vou fazer sanduíche de forno. Dá uma ternura! É que minha mãe e minha tia faziam muito quando éramos pequenos (e éramos muitos, porque havia mais crianças nas famílias, o que era bem divertido, diga-se). E o tal do sanduíche de forno é um troço que a criançada adora, além de ser facílimo de fazer e, de quebra, absolutamente autoral: a gente usa o que tem em casa, olhando na hora o que dá pra fazer. O meu de hoje vai ser assim:
· folhas de pão de forma: vou pôr integral embaixo (uma camada só) e de farinha branca em cima (serão duas camadas);
· untada a forma (só com um tico de óleo de arroz), assentam-se as folhas integrais;
· por cima delas, espalhados, queijo branco e queijo padrão ralados e muitos pedacinhos miúdos miúdos de tomate sem semente salpicados em meio aos queijos;
· por cima deles, folhas de pão branco (com o cuidado de coincidirem mais ou menos em tamanho com as folhas de baixo, pra ficar legal na hora de partir);
· por cima delas, algum verdinho (salsinha, cebolinha, salsão... aí vai do gosto), eu tenho uma rúcula linda que veio hoje do Sementes de Paz, vou usá-la – o truque, aqui, é que o que quer que seja de verdinho deve ser picado muito miudinho, quase um esfarelado, que a gente mistura com um pouco de mostarda e azeite, fazendo uma pasta que se espalha sobre os pães;
· daí vêm as últimas folhas de pão branco, sobre as quais verteremos a seguinte mistura: meio litro de leite (uso solúvel desnatado), meia colheirinha de café de sal (uso marinho), um tico de noz moscada (ralo na hora), uma gema de ovo (tem gente que gosta de mais) – bate-se vigorosamente (vigorosamente mesmo!) e verte-se sobre os pães logo em seguida, como gesto contínuo, com as partículas da mistura ainda agitadas, rodopiando no copo;
· daí um parmesão por cima, ralado beeeem fininho, no menor buraquinho do ralador – fica mais crocante!
E forno no cara.
Não bastasse isso, se sobrar (se sobrar...), fica muito gostoso no dia seguinte.
Vou fazer também um suco reforçado: polpa de morango batida com polpa de graviola (na proporção 2 pra 1). É o fino!
No fim das contas, o certo é que, quando é dia de conversa no portão, não faz sentido querer preparar uma conferência, né? Vamos de bate-papo, que é muito é bom.
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